‘Privatização da Caixa está fora das discussões’ diz novo presidente
Gilberto Occhi (foto) assumiu a presidência da Caixa disposto a botar pingos nos “is” em relação ao futuro da instituição. “Muito se fala que se vai privatizar a Caixa. Está fora de qualquer escopo. Não tem esse trabalho, esse discurso, essa diretriz”, frisa. Nem mesmo uma abertura de capital à participação privada – o que daria à Caixa estrutura societária semelhante à do Banco do Brasil e da Petrobrás – está em discussão, apesar dos projetos de parceria privada em três segmentos: loterias, seguridade e cartões.
Occhi recebeu o Estado na sede da instituição, na quinta-feira, para a primeira entrevista exclusiva desde a posse, no dia 1º. Ele fala também da desaceleração do crédito nos últimos anos e do foco do banco nas em linhas tradicionais. A seguir, os principais trechos.
Quais os planos da Caixa para seguros, loterias e cartões?
Não temos intenção de privatizar essas áreas. Vamos continuar com o controle, mas trazer parceiros que possam dar retorno maior sobre as operações e alavancar esses negócios. Queremos fortalecer negócios e melhorar ativos. Muito se fala que se vai privatizar a Caixa. Está fora de qualquer escopo. Não tem esse trabalho, esse discurso, essa diretriz. Nem do governo nem da Caixa. As discussões do IPO da Caixa Seguridade e a renovação do contrato com os franceses (CNP Assurances) estão na agenda com a equipe econômica. Para entrar ainda este ano, depende do mercado. Nas loterias, o modelo é uma joint venture. O preço dos ativos está oscilando muito, o que dificulta qualquer negócio. Já a área de cartões é importante e será prioritária para a Caixa. Temos muitas oportunidades. É principalmente rentável, dentro do nosso objetivo de sustentabilidade e eficiência. Estamos fazendo esse trabalho e, se resolvermos pela abertura de capital ou outra parceria, vamos fazer.
Depois dessas três etapas, o caminho seria que a própria Caixa abrisse o capital até o fim do governo do presidente Temer?
Não acho que tenhamos espaço para essa discussão.
A presidente afastada Dilma Rousseff chegou a prometer, no fim de 2014, que o banco teria ações em Bolsa.
Eu estava no governo. Não era essa a intenção. Talvez tenha ocorrido um erro de comunicação. Por isso, corrigiram para a Caixa Seguridade, área que tinha condição de ser feita, já tínhamos estudo.
Qual o impedimento para a abertura do capital da Caixa?
Nunca avaliamos isso. A Caixa teve um período muito difícil, há uns 15 anos, e teve apoio do governo. O banco é importante dentro das políticas de governo. Se fosse tão simples assim, já teria sido feito. A Caixa tem característica que a diferencia dos outros bancos, que é a carteira de governo, a prestação de serviços. É diferente de uma abertura de capital, que visa mais à rentabilidade do que ao atendimento social.
Com capital aberto, ficaria mais difícil usar a Caixa como instrumento de política pública?
Acabaria tendo outras funções, eventualmente teria de respeitar a decisão dos outros acionistas e não teria a possibilidade de atender a uma ação de governo. Todas as ações de governo são rentáveis. Boa parte da nossa rentabilidade vem da prestação de serviços para o governo, de ser um agente de repasse de emendas parlamentares.
Tudo isso é rentável, é precificado. Agora, é muito importante saber que temos uma estrutura diferente da de outros bancos. Somos talvez hoje a primeira, ou com certeza a segunda empresa técnica do País. Só tínhamos menos engenheiros que a Petrobrás. Que banco teria uma estrutura dessas para atender a essa demanda governamental? Essa estrutura é um grande apoio às políticas públicas do governo.
Mas os analistas de mercado criticam exatamente esse ponto. Citam, por exemplo, o Minha Casa Melhor, rejeitado pela própria área técnica da Caixa.
O fato de a Caixa ter feito não significa que teve prejuízo. Aplicamos os R$ 5 bilhões (de capitalização que o banco recebeu por tocar o programa) em tesouraria, remunerados pela Selic. O programa foi importante para a sociedade. Se for perguntar à família que teve o crédito, a que pagou e a que não pagou, foi fundamental. É uma questão de dignidade. No final, o governo disse que essa é uma situação que, ou teria de pagar tudo, dar os eletrodomésticos, ou suspender o programa por conta da situação econômico e financeira do Tesouro. Suspendeu.
O banco é obrigado a tocar qualquer programa de governo?
No passado, era assim. O governo mandava: faz aí. E, depois, tinha de aportar recursos no banco para ele não quebrar. Mudamos muito isso. É claro que todas as vezes que somos chamados para uma negociação com o governo levamos nossa necessidade. Tem discussão de tarifas, de repasses do que é contratado.
Essa questão mudou na Caixa. Não dá para falar que um programa é ruim ou bom, mas está nivelado. Sabemos o custo de cada um. Indo para o mercado, temos uma decisão de onde atuar. Mas, quando somos chamados pelo governo para lançar um novo programa, participamos, discutimos a remuneração para ser o agente do programa. Botamos na mesa. O governo topou? Tem de pagar.
Qual a rentabilidade do Minha Casa para a Caixa, por exemplo?
Não sei. Mas precisamos separar a faixa 1 (onde há mais subsídios). As faixas 2 e 3 são condições de mercado. A inadimplência da faixa 1 não entra na nossa conta. A inadimplência das faixas 2 e 3 está dentro dos parâmetros de mercado, entre 2% e 3%.
O governo Temer pensa em uma eventual fusão da Caixa e do Banco do Brasil?
Nunca teve orientação nesse sentido. Não sei de onde saiu essa informação e qual o motivo. Posso afirmar que, em nenhum momento, nem o presidente nem o ministro Henrique Meirelles trataram desse assunto comigo.
As indicações políticas para cargos na Caixa comprometem o desempenho do banco?
O País também é voltado para a questão política. Votamos em todos os políticos. Você acha que sou uma indicação técnica ou política? Sou um funcionário com 36 anos na empresa, passei por vários lugares e tem a coincidência de ter uma relação política. Quem é que não tem relação política?
O que se exige do profissional é que esteja alinhado com a política da instituição. Tenho certeza que na gestão do presidente Temer e do ministro Meirelles vamos procurar alinhar principalmente a parte técnica, da competência, e, se houver um viés político, não é demérito para ninguém.
Vamos ter de conviver com essa situação, mas sempre com o objetivo de que haja profissionais técnicos, independentemente da sua filiação, vinculação e tudo mais. O grande interesse, mesmo da classe política, é que se coloque um profissional que possa desempenhar melhor seu papel na instituição.
O senhor repete que a Caixa não precisa de capitalização. E se as operações das três áreas não saírem, precisará em 2017?
Não vamos precisar de capitalização em 2016 e estamos trabalhando para não precisar em 2017. Temos uma série de ações, várias alternativas para não precisar. Depende da economia, do crédito, do retorno de dividendos ao Tesouro, das ações que estamos fazendo.
Estamos construindo algumas alternativas para 2017 não precisar de capitalização, mas precisamos fechar com a equipe econômica. Precisamos desmistificar que aporte de capital é porque está quebrando. Já aconteceu no Banco do Brasil e na Caixa, que foram socorridos pelo governo federal. Aquele discurso não tem mais. Nosso trabalho hoje é um papel de banco público, de repassar uma parte dos dividendos e a outra integralizar para que o banco possa crescer.
Há esqueletos hoje na Caixa?
Com a governança de hoje, conselho diretor, conselho de administração, órgãos de controle, não há esqueletos. A direção e os funcionários têm o compromisso de zelar pela empresa e por seus nomes. Estamos trabalhando para melhorar a eficiência. Temos de reconhecer que a Caixa tem participação pública muito importante para a sociedade brasileira.
Os gastos de mais de R$ 100 milhões ao ano com patrocínio a clubes de futebol vão continuar?
Os estudos apontam que o retorno tem sido muito importante para a Caixa e devemos continuar com a política. Pedi uma avaliação para discutir com a área de marketing sobre como melhorar a eficiência desse investimento.
Fico imaginando que, se sairmos, todo mundo vai sentir falta no domingo, na quarta, da imagem da Caixa nos gramados, como sentimos falta, na época, da Lubrax nas camisas do Flamengo. Hoje é Caixa. Precisamos ver como ampliar os negócios com os clubes para dar mais eficiência a esses negócios: cartão de crédito dos torcedores, um jogador desses ganha R$ 500 mil, tem um monte de dependentes, tem de olhar a visão sistêmica do negócio.
O sr. assume num momento de desaceleração do crédito. Esse movimento vai continuar?
A participação da Caixa no crédito comercial era pequena. Houve um trabalho planejado da diretoria de ter uma participação maior no mercado. Isso trazia junto uma aceleração das concessões. Crescemos na participação geral do crédito de 6%, em 2008, para 21%, agora. Mas não tem como crescer 30%, 40% todo ano. Chegamos num patamar que a Caixa elencou e, gradativamente, começamos a curva de declínio.
Mas o uso da Caixa como locomotiva do crédito foi uma decisão do governo dentro das medidas anticíclicas da crise de 2008/2009.
Não. Primeiro tivemos a decisão de que teríamos de ter participação maior no mercado antes mesmo da crise. Juntou com a oportunidade de ocupar espaço, com a desaceleração dos bancos privados na concessão do crédito. Mas foi feito dentro de um planejamento de crescimento e, depois, desaceleração. Os ativos do banco estavam na maior parte na tesouraria e a perspectiva era de um cenário de redução de juros. Com a desaceleração de concorrentes, ocupamos o espaço. Agora, nossa curva de desaceleração está coincidindo com a do mercado. Mas vamos manter a participação no mercado, continuando sendo o segundo maior na concessão de crédito.
Qual a previsão de crescimento do crédito neste ano?
A estimativa do banco está entre 7% e 10%. A projeção inicial era 8%, mas a avaliação é que vai ficar em 7,5%. Não depende apenas no banco. É preciso trabalhar a questão da inadimplência, da qualidade do crédito, da diversificação da carteira olhando as oportunidades. É bem provável que a economia, no último trimestre, vai ter tendência de crescimento.
Estamos nos preparando para entrar nesta participação, principalmente em infraestrutura, que vai, neste primeiro momento, será o ponto que puxará o crescimento. No processo de expansão, quais foram os principais acertos e erros?
A Caixa entrou em linhas que não tinha expertise, como crédito rural e financiamentos a grandes empresas. Não é considerar que foi um grande erro, foi um aprendizado.
Continuamos forte na habitação, no consignado e crescemos muito na infraestrutura. Estamos focados nesse tripé. Quando se abre mais uma frente, é um aprendizado. A Caixa vai continuar sendo um grande banco de governo, um grande banco da habitação, de prestação de serviços, importante para o governo federal, para Estados e municípios. Não vamos deixar jamais esse viés. Estadão