Corte na carne do BB
Quando o governo brasileiro levou os bancos federais a expandir o crédito para evitar que a economia do país fosse contaminada pelos efeitos da crise financeira internacional de 2008, os primeiros resultados da campanha suscitaram aplausos.
Diferente do que previam os mais pessimistas, o Brasil passou quase incólume por dois anos de recessão global e, de quebra, teve em 2010 o maior crescimento do PIB em 25 anos.
Desde então, a participação conjunta de Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) no crédito do sistema financeiro subiu de 38% para 57%.
Não foi surpresa, portanto, que uma nova dose generosa do mesmo remédio tenha sido aplicada a partir de 2012, quando a economia voltou a dar sinais de estagnação.
Agora, o anúncio do BB no domingo de um plano para cortar custos, incluindo oferta de aposentadoria antecipada a quase 20% dos empregados e fechamento ou redução de quase 800 agências, dá relevo à lição elementar observada em economias mais maduras: os riscos do uso de bancos públicos como instrumento de política econômica não compensam os benefícios potenciais.
Banco encolhe um HSBC
No caso, as consequências macroeconômicas são amplamente conhecidas, como o aumento da inflação. Mas agora o BB começa a explicitar o tamanho do estrago dessa política para os próprios bancos.
Somente com o fechamento e redução de agências, o BB vai encolher quase o equivalente a um HSBC, quarto maior banco privado no país antes de ter sido comprado pelo Bradesco no ano passado.
Vale notar que o BB foi dos três bancos federais o que obedeceu com menos empenho a ordem do controlador de expandir empréstimos. De 2008 para cá, a carteira de crédito do BB cresceu praticamente 200%.
É um número até discreto se comparado com a Caixa Econômica Federal, cujo estoque de empréstimos cresceu quase 800% no período. Simultaneamente, a base de agências da Caixa dobrou e o total de funcionários subiu 27%, na contramão do mercado.
Rentabilidade
Num ambiente de crescentes níveis de desemprego e de quebras de empresas, a campanha de expansão dos bancos levou à inescapável queda na rentabilidade sobre o patrimônio. Uma rentabilidade adequada é indispensável para que um banco cresça de forma saudável sem precisar de ajuda externa.
Pelas práticas de mercado, essa rentabilidade deve ter alguma folga sobre a taxa básica de juros, hoje de 14% ao ano no Brasil. No terceiro trimestre, o índice, conhecido no jargão do setor como ROE, do Bradesco foi de 17,6%, e o do Itaú Unibanco, de 19,9%. Na Caixa, o índice foi de 6,5%, e no BB, de 9,6%.
A menor capacidade de gerar capital organicamente tem provocado crescentes discussões de que BB e Caixa precisarão de mais recursos federais para não ficarem com níveis de capital abaixo das exigências regulatórias. Num cenário de crise fiscal, esse socorro parece menos óbvio.
O BB já sinalizou como pretende evitar o pior, ao anunciar o enxugamento da sua estrutura. Acompanhando uma mudança do mercado, o banco aposta no ganho de produtividade com as chamadas agências digitais, nas quais pretende abrir uma de cada duas contas a partir de 2017.
Caixa Econômica Federal
A Moody’s calculou meses atrás que a Caixa precisaria de cerca de R$ 18 bilhões para reforço de capital.
Perguntado se a Caixa Econômica também fecharia agências, o presidente-executivo do banco, Gilberto Occhi, disse que 100 agências seriam avaliadas em 2017. Seguir os passos do BB parece inevitável, dado que os recursos que o banco quer levantar com a venda de fatia na Caixa Seguridade e na Lotex lhe renderiam menos de um terço disso.
Usar banco estatal para fazer política pública é um instrumento legítimo de governos. Em vários casos, tem sido feito com sucesso no Brasil, como no apoio ao agronegócio, pelo BB, ou ao saneamento e ao setor imobiliário, pela Caixa. Em ambos os casos de forma rentável.
Mas o caminho de corte na carne iniciado agora pelo BB deixa claro que o cuidado com o amanhã não pautou a campanha de expansão dos bancos públicos.
Administrar banco é essencialmente gerenciar riscos, dizem banqueiros experimentados. Usá-lo para tentar dar um choque de expectativas parece ser um risco que não vale a pena correr. Reuters