Promessa de revolução financeira, fintechs podem passar para grandes bancos
Promessa de revolução financeira e símbolo da tão sonhada desbancarização, as fintechs podem acabar caindo nas mãos dos principais bancos em atuação no país. As grandes instituições financeiras estão se movendo para comprar as mais promissoras startups de tecnologia para o mercado financeiro ou estão criando internamente suas próprias soluções tecnológicas. Pelo menos, até o momento, o consumidor saiu ganhando nessa disputa de Davi e Golias.
Uma prova de como os bancões estão se mexendo para abocanhar as fintechs é a recente aquisição de parte da XP Investimentos pelo Itaú-Unibanco. A XP Investimentos era uma corretora financeira independente que, assim, como as fintechs, pregava a revolução financeira e a desbancarização.
A empresa, em 16 anos de mercado, conseguiu ter R$ 68,8 bilhões em ativos sob a sua custódia e se tornou uma das principais corretoras do país. Ela, que teve um lucro líquido de R$ 105 milhões só no primeiro trimestre deste ano, estava se preparando para fazer a sua primeira oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês) na BMF Bovespa.
Mas aí veio o Itaú e interrompeu tudo. O maior banco privado da América Latina fez uma oferta de R$ 6,3 bilhões e levou 49,9% do capital da corretora. Até 2022, o banco se comprometeu a adquirir mais 25% do negócio e ficar com 74,9% do capital da XP Investimentos. Apesar de a gestão continuar com atuais sócios da XP, liderados pelo fundador Guilherme Benchimol, o banco terá, pelo menos, duas cadeiras no Conselho de Administração do Negócio.
O especialista em fintechs Marcelo Bradaschia, sócio-fundador da consultoria Clay Innovation e do FintechLab, um observatório de startups de serviços financeiros, afirma que o mercado de fintechs no Brasil ainda é muito recente e, consequentemente, pouco maduro, o que facilita a investida dos “bancões”. “É de se esperar que mais empresas sejam compradas pelos bancos”, afirma o consultor.
Um outro banco que vem atuando pesado para engolir as fintechs é o Santander, quinto maior banco do país. A instituição comprou em 2014 a operadora gaúcha de cartões GetNet por R$ 1,1 bilhão para entrar no segmento das maquininhas. A startup, que cresceu dentro do parque tecnológico da PUC-RS (Tecnopuc), foi totalmente incorporada pelo banco.
O Santander comprou, ainda, a startup paulista de contas pré-pagas digitais Contasuper por R$ 150 milhões. A aquisição, realizada há pouco mais de dois anos, também marcou a entrada do banco no segmento de contas 100% on-line. Recentemente, o Santander rebatizou a solução e passou a chamar a conta de Superdigital.
Busca pela inovação
Seja para abafar uma concorrente em potencial, caso da aquisição da XP pelo Itaú, ou para entrar em mercados inexplorados, exemplo o Santander, os bancos encontraram nas fintechs uma maneira barata de inovar. “Para os grandes bancos, é difícil construir toda uma capacidade de inovação internamente. Então eles buscam externamente adquirir competências internas. O processo de compra é natural do mercado de inovação. E, com apenas um ano de lucro, eles conseguem comprar a maior parte das fintechs brasileiras”, afirma Bradaschia.
Em 2016, os cinco maiores bancos do país – Itaú, Banco do Brasil, Caixa, Bradesco e Santander – tiveram, juntos, lucro de R$ 56,7 bilhões. Somente os quatros maiores, o que exclui o Santander, dominam mais de 70% dos ativos, depósitos e créditos do sistema financeiro. E agora eles podem também dominar a revolução financeira.
Fintechs ainda são recentes
“As fintechs levaram os bancos a se mexer, a inovar, mas não são ameaça à concentração bancária. Elas estão conseguindo abocanhar nichos que não eram explorados pelos grandes bancos, como o público jovem e o business to business [B2B], mas não mexeram com os lucros do bancos”, diz Bradaschia.
O Brasil tem, segundo o Radar FintechLab, 247 fintechs em atuação no país, a maior parte atuando nas áreas de pagamentos, gestão financeira e empréstimos. O número, apesar de alto, mostra apenas que há muitas iniciativas espalhadas, mas poucas consolidadas.
Das fintechs em atuação no Brasil, somente 14% levantaram mais de R$ 20 milhões em aportes financeiros. O Radar FintechLab destaca, ainda, que todas as startups de serviços financeiros receberam, juntas, pouco mais de R$ 1 bilhão em aportes desde 2014. Grande parte desse percentual é concentrado em apenas uma única empresa: a Nubank, que levantou sozinha US$ 180 milhões, o equivalente R$ 586 milhões.
Mercado deve fazer uma peneira…
“Vai haver um movimento de consolidação das instituições que atuam de maneira independente dos bancos. A história do sistema bancário mostra isso, quando há cerca de 30 anos teve uma onda de pequenos e médios bancos que surgiram e fecharam. Naquela época, as pessoas correram para as grandes instituições bancárias e o mercado ficou concentrado”, afirma Gilberto Braga, professor de Finanças do Ibmec-RJ.
… ou as fintechs podem virar o jogo
O especialista em fintechs Marcelo Bradaschia acredita que, a partir do momento que mais investidores estrangeiros começarem a aportar dinheiro nas fintechs e que os empreendedores estiverem mais focados em projetos de longo prazo, o jogo pode virar a favor das novatas.
“Com a economia e a política se acalmando e com o amadurecimento do ecossistema empreendedor, as fintechs devem receber mais aportes estrangeiros. Os investidores estrangeiros são mais experientes, têm visão de longo prazo e sucumbem menos a ofertas. Aí eu acho que o jogo começa a virar.”
Já o professor Gilberto Braga acredita que poucas fintechs vão conseguir se manter no mercado de maneira independente e capaz de medir forças com grandes instituições financeiras. Ele acredita que, para elas, o melhor caminho é continuar apostando nos mercados de nicho, que ainda são pouco explorados pelos bancos, já que são mercados menores e menos rentáveis que o varejo geral.
Pelo menos o consumidor sai ganhando
A única certeza, segundo os especialistas, é que o consumidor já foi beneficiado nessa briga de fintechs versus bancões. As pessoas passaram a contar com novas opções de serviços financeiros antes inexistentes, como cartão de crédito sem anuidade e conta digital gratuita. Mesmo aquele consumidor que prefere ficar fiel ao grande banco já vê melhorias nos serviços digitais, como possibilidade de fazer pagamentos via celular.
Resta saber se as fintechs serviram apenas como fonte de inspiração para a revolução financeira dos grandes bancos ou se elas levarão – ainda que em poucas – à desbancarização. Gazeta do Povo